sexta-feira, 17 de abril de 2009

... mas eu amo a paixão.

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"Com a mão direita ele segurava o ferro que fazia as flamas crescerem. A mão esquerda, a livre, estava ao alcance dela. Lóri sabia que podia tomá-la, que ele não se recusaria; mas não a tomava, pois queria que as coisas "acontecessem" e não que ela as provocasse. Ela conhecia o mundo dos que estão tão sofridamente à cata de prazeres e que não sabiam esperar que eles viessem sozinhos. E era tão trágico: bastava olhar numa boate, à meia-luz, os outros: era a busca do prazer que não vinha sozinho e de si mesmo. Ela só fora, com alguns de seus homens do passado, umas duas ou três vezes e depois não quisera mais voltar. Porque nela a busca do prazer, nas vezes que tentara, lhe tinha sido água ruim: colava a boca e sentia a bica enferrujada, de onde escorriam dois ou três pingos de água amornada: era a água seca. Não, havia ela pensado, antes o sofrimento legítimo que o prazer forçado. Queria a mão esquerda de Ulisses e sabia que queria, mas nada fez, pois estava usufruindo exatamente do que precisava: poder ter essa mão se estendesse a sua.Ah, e dizer que isso ia acabar. Que por si mesmo não podia durar. Não, ela não se referia ao fogo, referia-se ao que sentia. O que sentia nunca durava, acabava e podia nunca mais voltar. Encarniçou-se então sobre o momento, comia-lhe o fogo interno, e o fogo externo ardia doce, ardia, fiamejava. Então, como tudo ia acabar, em imaginação vivida, pegou a mão livre do homem, e em imaginação ainda, ao prender essa mão entre as suas, ela toda doce ardia, ardia, fiamejava.(...)
Porque no Impossível é que está a realidade."
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(Clarice Lispector, em Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres)

3 comentários:

Sua ninha disse...

Eu acho uma pena que o impossível seja valorizado... a gente tinha q aprender a gostar do que está mais fácil e assim sofrer muito menos...

Camila Almeida disse...

Nossa! Como é perturbador esse texto... Me deixou inquieta...rsrsrsrs

Amavel

Ericka Ferraz disse...

exatamente...
é estranho entender tão bem o que outra pessoa fala.
Assusta!